GALLOTTI,
Luís
*magistrado; interv. SC 1945-1946;
proc.-ger. Rep. 1947-1949; min. STF 1949-1974.
Luís
Gallotti nasceu em Tijucas (SC) em 15 de agosto de 1904, filho
de Beniamino Gallotti e de Francesca Angeli Gallotti, imigrantes italianos
estabelecidos em Santa Catarina em 1873. Seu pai dedicou-se ao comércio,
tornando-se em pouco tempo o mais próspero negociante de Tijucas, onde chegou a
exercer importante influência política. Durante o Império, foi nomeado coronel
da Guarda Municipal e eleito presidente da Câmara Municipal. Com o advento da
República, ingressou no Partido Federalista. Dos 15 irmãos de Luís, dois tiveram
destacada atuação política: Francisco Benjamim Gallotti, senador por Santa
Catarina de 1947 a 1954, de 1955 a 1957 e de 1958 a 1961, e Antônio Gallotti,
membro da Ação Integralista Brasileira na década de 1930 e presidente da Light
de 1956 a 1974.
Luís Gallotti fez os estudos primários em sua cidade natal e
os secundários no Colégio dos Padres Jesuítas, em Florianópolis. Em 1922,
participou ao lado de Nereu Ramos da fracassada campanha da Reação Republicana
pela eleição de Nilo Peçanha à presidência, dirigindo um pequeno jornal em
Tijucas. Nesse mesmo ano, ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro,
então Distrito Federal, formando-se em 1926.
Em 1927, após ser nomeado inspetor de bancos no Distrito
Federal, foi eleito deputado à Câmara estadual de Santa Catarina, com o apoio
do governador Adolfo Konder. No ano seguinte, foi um dos signatários da
terceira Constituicão de Santa Catarina.
Designado
segundo procurador da República no Distrito Federal em outubro de 1929, ganhou
notoriedade em fevereiro de 1930 ao ser escolhido pelo presidente Washington
Luís para acompanhar as investigações sobre o choque armado que envolveu o
vice-presidente da República, o mineiro Fernando de Melo Viana, quando este
encabeçava uma caravana política em Montes Claros (MG). O incidente, que
ocorreu no auge da campanha para as eleições presidenciais de março, e quase
provocou a intervenção federal em Minas, opôs a comitiva de Melo Viana,
integrante da Concentração Conservadora e defensora da candidatura oficial de Júlio
Prestes, aos adeptos da Aliança Liberal, predominante no estado e defensora da
candidatura oposicionista de Getúlio Vargas.
Mais tarde, ao relembrar o episódio em entrevista a O Globo,
Gallotti declarou que o ex-presidente da República Artur Bernardes chegara a
planejar um atentado contra o trem que o conduziu a Montes Claros, tendo sido
impedido a tempo pelo chefe do governo de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada.
Ao
término de suas investigações, Gallotti endossou as conclusões do inquérito
realizado pelas autoridades mineiras, considerando desnecessária a adoção de
novas medidas do governo federal. Entretanto, o clima de tensão política no
país perdurou, agravando-se em junho com o assassinato de João Pessoa,
ex-candidato à vice-presidência da República, derrotado juntamente com Getúlio
Vargas nas eleições de março. Em 3 de outubro, o Rio Grande do Sul e Minas
Gerais levantaram-se em armas contra o presidente Washington Luís. Vitorioso o
movimento revolucionário, Getúlio Vargas assumiu em 3 de novembro a chefia da
nação.
Apesar
de vinculado ao governo deposto pela Revolução de 1930, Gallotti foi mantido em
seu cargo de procurador. Em 1934, com a reconstitucionalização do país, foi
designado membro da Comissão Revisora dos Atos do Governo Provisório e nos anos
seguintes continuou a exercer normalmente as funções de procurador.
Em 8 de novembro de 1945, após a queda de Getúlio Vargas e a
formação do governo provisório de José Linhares, foi nomeado interventor
federal em Santa Catarina, em substituição a Nereu Ramos. Teve a seu encargo a
supervisão das eleições presidenciais e constituintes de 2 de dezembro no
estado. Em 5 de fevereiro de 1946, passou o cargo de interventor a Udo Deeke.
Em
junho de 1947, com a criação do Tribunal Federal de Recursos, foi designado
subprocurador-geral da República, representando a União junto ao novo órgão. Em
outubro do mesmo ano, o presidente Eurico Gaspar Dutra o nomeou
procurador-geral da República, em substituição a Temístocles Brandão
Cavalcanti. Sua primeira missão no cargo foi solucionar o conflito surgido
entre os poderes Executivo e Judiciário de Alagoas. O Tribunal de Justiça do
Estado solicitara ao Supremo Tribunal Federal (STF) garantias para o seu
funcionamento, acusando o governador Silvestre Péricles de Góis Monteiro de
atos de violência contra seus integrantes. Gallotti conseguiu solucionar a
crise, convencendo os desembargadores a aceitar uma retratação do governador.
Em
1948, o presidente Dutra encarregou-o de examinar manifesto de 45 deputados
paulistas solicitando o afastamento de Ademar de Barros do governo de São Paulo
sob a acusação de irregularidades administrativas. Com base em seu parecer,
Dutra negou o pedido de impedimento, garantindo, assim, a permanência de Ademar
de Barros no cargo. Como procurador-geral, Gallotti defendeu ainda a manutenção
das medidas tomadas contra o Partido Comunista Brasileiro, então chamado
Partido Comunista do Brasil (PCB), solicitando ao STF a rejeição dos recursos
impetrados pelos dirigentes comunistas. Em concordância com os pareceres
enviados por Gallotti, o STF manteve o cancelamento do registro do partido e a
extinção dos mandatos de seus representantes no Congresso.
Em 22 de setembro de 1949, assumiu o cargo de ministro do
STF, após aprovação unânime do Senado à sua nomeação pelo presidente Dutra.
Em
outubro de 1950, após a vitória de Getúlio Vargas nas eleições presidenciais,
Gallotti foi consultado pelo ministro da Guerra, general Canrobert Pereira da
Costa, sobre o recurso apresentado pela União Democrática Nacional (UDN) ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), negando a validade das eleições a pretexto
de que nenhum candidato recebera maioria absoluta. Gallotti contestou a tese
levantada pela UDN, afirmando que a constituição referia-se apenas a uma
maioria simples. Em dezembro, o TSE proclamou legalmente eleitos Getúlio Vargas
e o vice-presidente João Café Filho.
Entre as diversas questões políticas tratadas pelo STF no
segundo governo de Vargas, Gallotti teve participação destacada como relator do
processo que autorizou a Câmara dos Deputados a divulgar o relatório do
inquérito sobre operações irregulares do Banco do Brasil no período de governo
do presidente Dutra. O inquérito fora realizado em sigilo por uma comissão
nomeada pelo presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jaffet, em cumprimento a
uma determinação pessoal de Vargas. Entretanto, o deputado José Bonifácio
Lafayette de Andrada conseguiu uma cópia do relatório, solicitando à Câmara a
sua publicação no Diário do Congresso. Aprovada a proposta, o Sindicato dos
Bancos do Rio de Janeiro impetrou mandado de segurança junto ao STF. Gallotti
concedeu liminar para sustar a publicação mas, em janeiro de 1953, quando o
tribunal reuniu-se para examinar o mérito da questão, negou validade ao recurso
apresentado pelo Sindicato dos Bancos, sendo acompanhado pelos demais
ministros.
Em
1953, foi nomeado juiz do TSE, cargo que exerceu até 1965 na qualidade de
ministro do STF. Ocupou a presidência do TSE de setembro de 1955 a janeiro de
1957, tendo a seu encargo a supervisão das eleições presidenciais de outubro de
1955. Como em 1950, a UDN levantou a tese da maioria absoluta, tentando impedir
a posse de Juscelino Kubitschek e de João Goulart, eleitos presidente e
vice-presidente da República. Antes que o TSE se reunisse para examinar o
recurso da UDN, o país foi abalado por grave crise político-militar, que
culminou com o movimento de 11 de novembro de 1955, liderado pelo ministro da
Guerra, general Henrique Teixeira Lott, visando assegurar a posse dos eleitos.
O movimento provocou o impedimento dos presidentes Carlos Luz, em exercício, e
Café Filho, licenciado, empossando na chefia da nação o vice-presidente do
Senado, Nereu Ramos. Em 24 de janeiro de 1956, Gallotti proclamou eleitos
Juscelino Kubitschek e João Goulart e uma semana mais tarde os dois tomaram
posse.
Em outubro de 1957, Gallotti pronunciou-se, juntamente com os
demais ministros do STF, pela inconstitucionalidade do decreto da Assembléia
Legislativa de Goiás, prorrogando por um ano os mandatos do governador, vice-governador
e prefeitos de Goiás. Em novembro do mesmo ano, Gallotti formou com a maioria
do STF na decisão que concedeu garantias de defesa ao governador de Alagoas,
Sebastião Marinho Muniz Falcão, ameaçado de impeachment pela Assembléia
Legislativa do estado. Em seguida, acolheu novo recurso do governador, anulando
sorteio realizado pela Assembléia Legislativa para escolha dos deputados que
julgariam o caso. O resultado do sorteio seguinte favoreceu Muniz Falcão,
colocando-o a salvo do impedimento.
Em dezembro de 1962, Gallotti foi eleito vice-presidente do
STF.
Após
a deposição de João Goulart e a implantação do novo regime político em abril de
1964, as relações entre o STF e o Poder Executivo foram marcadas por várias
crises devido às decisões do tribunal em favor da libertação de prisioneiros
políticos. Nos momentos de maior tensão, Gallotti buscou evitar o confronto
direto entre o STF e os governos militares. Em 1965, por exemplo, tentou
persuadir o presidente do STF, Álvaro Ribeiro da Costa, a aceitar o aumento do
número de ministros do Supremo, proposto pelo presidente Castelo Branco. A
medida acabou sendo tomada à revelia do STF, com a promulgação do Ato
Institucional nº 2 (AI-2), em 27 de outubro de 1965.
De dezembro de 1966 a dezembro de 1968, Gallotti ocupou a
presidência do STF. Ao assumir o cargo, justificou o uso das armas em 1964,
ressalvando, porém, o dever do tribunal em não permitir que “o ruído das armas
o impedisse de ouvir a voz das leis”.
Na seqüência da crise provocada pelo Ato Institucional nº 5
(AI-5), de 13 de dezembro de 1968, Gallotti decidiu permanecer no STF, ao
contrário dos ministros Antônio Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos
Lafayette de Andrada, que renunciaram em protesto contra as aposentadorias
compulsórias dos ministros Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Vítor Nunes
Leal. Em janeiro de 1969, reassumiu por algumas semanas a presidência do STF,
por ser o mais antigo membro do órgão. Na ocasião, o presidente Artur da Costa
e Silva submeteu a seu exame o texto do Ato Institucional nº 6 (AI-6),
reduzindo o número de ministros do STF de 16 para 11. A preocupação de Costa e
Silva, segundo depoimento de Gallotti ao jornalista Carlos Castelo Branco, “era
evitar que se dissesse ter ele aposentado ministros para abrir vagas e poder
preenchê-las”. Ainda segundo seu depoimento, Gallotti e Rondon Pacheco, chefe
do Gabinete Civil da Presidência da República, convenceram Costa e Silva a
suprimir um artigo do AI-6, que restringia ainda mais as prerrogativas
constitucionais dos auditores da Justiça Militar.
Em fevereiro de 1969, ao deixar o cargo de presidente do STF,
Gallotti respondeu às críticas do advogado Heráclito Sobral Pinto sobre sua
decisão de permanecer no Supremo, declarando que “a existência de juízes, mesmo
estando as garantias dos magistrados transitória e substancialmente reduzidas,
representava um mal menor, pois permitia sem interrupção o apelo ao
Judiciário”. Entretanto, durante o período de vigência do AI-5, a participação
do STF nos processos políticos foi praticamente nula, em virtude da suspensão
do habeas-corpus para crimes políticos e da supressão dos poderes civis.
Em agosto de 1974, Luís Gallotti aposentou-se
compulsoriamente do cargo de ministro do STF, ao completar 70 anos de idade.
Membro
do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de
Desportos (CBD) desde 1940, e do Conselho Nacional de Desportos (CND) a partir
de 1947, Gallotti teve também uma atuação marcante no campo dos esportes,
sobretudo no futebol, de que era grande aficcionado. Foi membro da Academia
Catarinense de Letras, do Instituto de Ciência Política, da Sociedade
Brasileira de Direito Internacional, secretário-geral e vice-presidente do
Instituto dos Advogados Brasileiros, representante de Santa Catarina no
conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil, vice-presidente do Instituto
Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, órgão filiado à UNESCO, e
vice-procurador da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Glória.
Faleceu no Rio de Janeiro em 24 de outubro de 1978.
Era casado com Maria Antonieta Pires de Albuquerque Gallotti,
filha de Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, ministro do STF de 1917 a
1931. Teve dois filhos, entre eles Luís Otávio Gallotti, ministro do Tribunal
de Contas da União.
Publicou dois volumes de Pareceres do procurador-geral da
República (1955) e trabalhos avulsos em periódicos especializados, como a
Revista Forense, a Revista de Direito, a Revista de Crítica Judiciária, os
Arquivos Judiciários e a Revista Brasileira de Jurisprudência.
Paulo Brandi
FONTES: BALEEIRO,
A. Supremo; CABRAL, O. Era; CABRAL, O. História; CORRESP. GOV. EST. SC;
CORRESP. PROC. GER. REP.; CORTÉS, C. Homens; COSTA, E. Efemérides; COSTA, E.
Grandes; COUTINHO, A. Brasil; Encic. Mirador; CURRIC. BIOG.; Globo (18/6/74);
Grande encic. Delta; Grande encic. portuguesa; HIRSCHOWICZ, E. Contemporâneos;
INST. NAC. LIVRO. Índice; JAMUNDÁ, T. Catarinenses; Jornal do Brasil (10/9/77 e
25/10/78); MIN. GUERRA. Subsídios; Opinião (12/8/74); POPPINO, R. Federal;
SILVA, H. 1930; SILVA, Z. Perfil; SUP. TRIB. FED. Supremo; TIAGO, A. História;
VALE, O. Supremo; Veja (3/7/74); Who’s who in Brazil.