Foi um acontecimento político de repercussão nacional e internacional, ocorrido a partir da visita do Presidente João Figueiredo à cidade de Florianópolis, em 30 de novembro de 1979, seguido de prisões e grandes manifestações pela liberdade dos prisioneiros e pela democracia.
por Éliton Felipe de Souza1
Em 30 de novembro de 1979, a capital de Santa Catarina recebeu a ilustre visita do general João Figueredo, ditador brasileiro. O país passava pelo processo de abertura política2 e Figueiredo foi à Florianópolis para participar de solenidades oficiais, entre elas estava a inauguração de uma placa em homenagem ao ex-presidente do Brasil, marechal Floriano Peixoto.
O ditador pretendia "cristalizar uma imagem de presidente popular, da abertura democrática e próximo das massas, através do slogan João, o presidente da reconciliação, que estava escrito em um enorme balão instalado em Florianópolis muitos dias antes da visita". (BRISTOT, 2012, p. 52). Para obter êxito nesse intento, Figueiredo contou com a ajuda dos Arenistas Esperidião Amin e Jorge Bornhausen.
Opondo-se ao regime estabelecido, estavam os movimentos sociais e grupos de diversas tendências políticas [...]. Entre os movimentos sociais no processo de democratização se destacava o movimento estudantil [...]. Em Florianópolis, o movimento estudantil se fez mais atuante ao final dos anos setenta, especialmente na Universidade Federal de Santa Catarina. A principal tendência política presente no ME da UFSC era o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que no contexto de ausência de liberdade de organização pela supressão dos direitos políticos atuava dentro do MDB, e posterior PMDB. O PCB, em consonância com as internacionais socialistas, apregoava a unidade de todas as tendências de esquerda contra a ditadura, numa frente contra o regime ditatorial. Esta tendência do movimento estudantil articulou estudantes com anseios democráticos e influenciou a constituição da chapa "Unidade na Ação", que assumiu o Diretório Central dos Estudantes (DCE) na primeira eleição direta em sua história em 1979. (GIOVANELLA, 2010, p. 52)
Os estudantes da Universidade Federal, então, movimentaram-se para atrapalhar os planos do governo:
Nós sabíamos que o Figueiredo viria, então eu procurei o Adolfo3, era muito amiga dele, mesmo com uma linha política diferente, falei: "Adolfo, nós não vamos fazer nada". "O Figueiredo está vindo aí, o ditador, ele respondeu ah... temos que fazer". Mas eles não queriam muito, porque era cutucar a onça com vara curta. No entanto, uma semana antes [da visita do Figueiredo] o Adolfo nos chamou para uma reunião no DCE4, às escondidas. Não foi dito para todo mundo, apenas algumas pessoas mais ligadas. (SOUZA, 2003)
Os estudantes rapidamente fizeram a ligação entre o general presidente da ditadura em que eles viviam e o marechal repressor que deu o próprio nome a cidade de Nossa Senhora do Desterro, após a Revolução Federalista a qual ele reprimira com violência, inclusive executando prisioneiros no forte da Ilha de Anhatomirim.
Na época já era difundida uma proposta da troca do nome "Florianópolis" para a denominação anterior de "Desterro". E a homenagem da ditadura à Floriano, serviu como estopim para a manifestação contra a ditadura.
A população catarinense mostrava-se indignada. "Acresceu-se ainda a infeliz homenagem à Floriano Peixoto. Floriano que havia, em 1894, mandado fuzilar, na ilha de Anhatomirim, 283 cidadãos desterrenses. Estima-se que numa ilha (do Desterro) onde a população era na época de 28.000 pessoas, praticamente um membro de cada família foi assassinado. Depois disso, seus correligionários mudaram o nome da cidade de Nossa Senhora de Desterro que passou a se chamar Florianópolis numa evidente humilhação ao povo Desterrense, e em homenagem a seu algoz, Floriano". A Secretaria de Comunicação da Presidência (SECOM) recém-criada, com o intuito de melhorar a imagem do governo militar, teve a infeliz ideia de enviar para colocar, na Praça XV, praça central da cidade, uma placa em homenagem a Floriano Peixoto. (GIOVANELLA, 2010, p. 54)
Além da placa, aumentos no preço da gasolina e da energia elétrica, dias antes, elevaram o custo de vida e a insatisfação popular que se materializou na manifestação de rua contra o general Figueiredo e a comitiva que lhe acompanhava.
Na Praça XV de Novembro, onde discursaria, Figueiredo foi recepcionado por uma manifestação estudantil com cerca de 4 mil pessoas, muitas com cartazes e gritando palavras de ordem. Enquanto falava da sacada do Palácio Cruz e Sousa (na época sede do Governo Estadual), o presidente cometeu uma gafe que seria crucial para os fatos daquele dia:
Fez um sinal de "OK" para os ouvintes, mas foi infeliz ao utilizar uma expressão americana - leva o polegar ao encontro do indicador - o que por aqui não tem o mesmo significado. Sem controle da situação, além dos gritos dos estudantes, os demais populares presentes aderiram à manifestação inclusive com insultos diretamente à mãe do presidente. Este, numa atitude inesperada, resolve descer da sacada do Palácio e conversar com parte dos manifestantes. Tem então início um tumulto com a polícia, que segue até o Ponto Chic, bar tradicional da cidade, onde o presidente tomaria um café. (SARTORI, 2008, p. 3)
Dada a confusão, o presidente se retirou, mas a manifestação continuou e a população enfurecida aproveitou para arrancar a placa em homenagem a Floriano Peixoto.
Dias depois foi autorizada a prisão de sete estudantes reconhecidos através de fotos como os "responsáveis" pela manifestação. Eram eles: Lígia Giovanella, vice-presidente do DCE; Adolfo Dias, presidente; Marize Lippel, Rosângela Koerich, Amilton Alexandre, Geraldo Barbosa e Newton Dias Vasconcelos Jr. Com exceção dos dois primeiros, todos foram presos dia 2 de dezembro. Lígia e Adolfo só se entregaram à polícia dia 5 de dezembro. As prisões, no entanto, não arrefeceram os ânimos dos estudantes: mais dois atos foram organizados. (SARTORI, 2008, pp. 3-4)
Milhares de pessoas foram as ruas em duas grandes manifestações, uma delas com mais de 7 mil pessoas. O primeiro ato exigiu a libertação dos presos e o segundo reivindicava que os estudantes não fossem enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Ambos foram fortemente reprimidos pela Polícia Militar. Além disso, todo o material produzido pela TV Cultura, que fez a cobertura dos protestos, foi apreendido pelos militares.
A pressão popular teve efeito e, no dia 11 de dezembro, os cinco primeiros estudantes a serem presos foram postos em liberdade e, dois dias depois, Lígia e Adolfo também foram libertados. Todos foram denunciados no dia 11 de março de 1980 na 5ª Circunscrição da Justiça Militar, em Curitiba5. Em fevereiro de 1981, os estudantes foram julgados e todos foram inocentados:
"A Novembrada" enquanto acontecimento político, por exemplo, no momento de seu desenvolvimento, foi passível de punição aos seus atores pelo regime ditatorial, de julgamento militar. Hoje, ao contrário, são prestadas homenagens na câmara de vereadores, bem como na assembleia legislativa, aos estudantes presos na época, que agora são tratados como heróis da cidadania. Ontem presos, hoje heróis. A verdade sempre ligada a estruturas do poder constituído, muda conforme estas mudam. (GIOVANELLA, 2010, p. 28)
Não é à toa que os estudantes envolvidos na Novembrada e presos por sua participação na ação, tenham sido elevados a categoria de heróis da democracia. Eles tiveram participação direta na história do país, por meio daquele que foi o único evento de confronto entre a população brasileira e um governante ditador. Foi preciso muita coragem para enfrentar os militares, ainda mais depois da Operação Barriga Verde que ocorrera no Estado apenas quatro anos antes.
1 - Graduado em História, mestre em Sociologia Política (Universidade Federal de Santa Catarina) e doutorando do Programa de Pós-Graduação em História do Tempo Presente (Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC).
2 - O processo de abertura política do regime civil-militar foi chamado de "distensão" e objetivava proporcionar, aos poucos, a liberalização política do país. Com esse processo, o presidente comprometeria-se a descentralizar a administração do Estado. O projeto visava manter a coesão do Exercito, obtendo o apoio da maioria para, assim, neutralizar a linha dura e restabelecer um caráter mais profissional das Forças Armadas. Outra meta seria a de impedir qualquer movimento de subversão. E o mais importante objetivo, porém, seria o retorno à democracia. Para Maria Moreira Alves, no entanto, o Estado queria legitimar o próprio estado de exceção, dando continuidade ao regime militar com algumas concessões feitas à oposição da Imprensa, Igreja e Ordem dos Advogados do Brasil (AIB, CNBB, OAB), Vieira (1995, p. 37).
3 - Presidente do DCE da UFSC, assumiu em agosto de 1979.
4 - Com a revogação dos decretos-lei nº 228 e nº 477, a Universidade Federal de Santa Catarina voltou a ter eleições diretas para o DCE-UFSC em 1979, o que possibilitou uma grande onda de protestos diversos por parte dos estudantes. Em agosto houve uma manifestação por melhorias nas condições do Restaurante Universitário, no mês seguinte os estudantes do curso de Farmácia entraram em greve contra o projeto de lei que regularizava o ato médico e os estudantes de medicina se organizaram contra mudanças no currículo, e, em novembro, um ato público foi organizado pelo DCE em favor da democracia nas eleições para reitor de 1980.
5 - Como o efetivo militar de Santa Catarina era pequeno, não havia no estado um Tribunal Militar para julgar casos enquadrados na Lei de Segurança Nacional, então todos os casos eram remetidos para a 5ª Circunscrição da Justiça Militar, em Curitiba.
BRISTOT, Lidia Schneider. Um outro olhar sobre a Novembrada. Santa Catarina em História. Florianópolis, v. 6, n.1, 2012, 50 p.
GIOVANELLA, Lúcio Flávio. O político nos filmes A Novembrada e Cruz e Sousa, o Poeta do Desterro: Uma Análise Discursiva. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem), Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPGCL) da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Palhoça, 2010, 80 p. Disponível em: http://memoriapolitica.alesc.sc.gov.br/rOTIxNDg= Acesso: 03 nov. 2015.
SARTORI, Juliana. A novembrada nas entrelinhas da imprensa catarinense. Santa Catarina em História. v. 2, 2008, pp. 44-47.
SOUZA, Rosângela Koerich. Entrevista concedida a Mírian Elisa da S. A. Wagner. Florianópolis, jan. 2003.
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