A Operação Barriga Verde foi a principal intervenção militar em Santa Catarina durante o regime civil-militar. Nela, vários catarinenses, considerados um perigo à estabilidade do governo foram sequestrados, interrogados e torturados. Na foto, os prisioneiros: Celso Padilha (Pinduca), Alésio Verzola e Elineide Lícia Martins.
"Vai lá e pega fulano". Então a gente pegava [um] soldado que conhecesse a região, pegava [o preso] e levava para os delegados João Pessoa Machado e Saul Três. Não havia Polícia Federal [em Joinville]. A delegacia fica onde é o Sindicato dos Bancários. Com ordem de prisão levava. Não ficava preso no batalhão. Comunicava a Florianópolis. (FRANCISCO apud GUEDES et al., 2008, p. 150)
Posta em prática no final de 1975, a operação, que durou até 1977, teve quarenta e dois presos em todo o estado. Os prisioneiros eram levados para Curitiba e depois trazidos de volta à Colônia Penal Urbano Salles, na cidade de Florianópolis:
As prisões iniciaram-se dia 4 de novembro pela manhã. Antes disso alguns estávamos sendo seguidos [?]. Falei prisões, mas [?] foram sequestros. Sem qualquer ordem de prisão ou aviso aos familiares. As nossas casas foram invadidas ilegalmente. Foram retirados sem ordem, livros, objetos de uso pessoal, não só dos que estavam nas mãos da repressão, mas também dos familiares. (FILHO, 1975, apud MARTINS, 2006, pp. 19)
Foram, ao todo, 42 presos na Operação e denunciados à 5ª Circunscrição Judiciária Militar, em Curitiba/PR: nove de Florianópolis/SC; onze de Criciúma; oito de Joinville; dois de São José; cinco de Itajaí; um de Chapecó; um de Balneário Camboriú; um de Piçarras; além de dois presos em Porto Alegre/RS; um em Guarapuava/PR; e um em São Paulo/SP:
Entre os 42 presos, encontravam-se personagens como Teodoro Ghercov e Newton Cândido (paulistas, representantes do Comitê Central no estado), Roberto Motta (ex-deputado estadual pelo MDB), Marcos Cardoso Filho (engenheiro eletricista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC). (GARCIA, 2011, p. 20-21)
Na capital do Estado, enquanto o deputado estadual Murilo Canto comunicava no plenário da Câmara o sequestro e prisão de diversos militantes, esses eram levados vendados em carros da polícia em longas horas de voltas pela cidade, para que perdessem a noção de localização e para que pudessem serem interrogados e torturados, ali mesmo, na "Ilha da Magia" (MARTINS, 2006).
Enquanto isso, em Joinville, o pronunciamento de Aderbal Tavares Lopes na Câmara de Vereadores, realizado no dia 5 de dezembro de 1975, com o apoio dos também vereadores Coelho Neto e Elmar Zimmermann, causou alvoroço ao denunciar a prisão arbitrária de Irineu Ceschin. Segundo Martins (2006), só o que se podia ouvir era o vereador Nagib Zattar sussurrando: "Seu comunista, tu vai preso, seu vagabundo".
Os assuntos daquela sessão se dividiam entre homenagens a Plínio Salgado, o eterno integralista, que falecera no dia anterior, e as prisões da Operação Barriga Verde:
Recebi um endereço na rua Helmuth Falgatter e segui com um jeep do 62º BI [Batalhão de Infantaria]. Cheguei fardado e fui atendido pela dona da casa, a quem mostrei um bilhete lacrado. Ela mandou entrar e sentar. Duas crianças ficaram me olhando. Ela foi ao quarto arrumar a mala. Tinha uma tristeza no rosto, mas não chorava. Irineu Ceschin estava sendo preso. (FRANCISCO apud GUEDES et al., 2008, p. 150)
Até aquele momento, não havia relatos de torturas sofridas em território catarinense. Os presos eram, geralmente, levados para a 5ª Região militar, em Curitiba, que era responsável pelas forças armadas de Santa Catarina, mas com o início das atividades da Barriga Verde, que tinha como objetivo desarticular e eliminar os comunistas no estado, dezenas de presos foram torturados física e psicologicamente.
Com a criação do Ato Institucional Nº 5 - AI-5, em 13 de dezembro de 1968, que institucionalizou a repressão, o sequestro por parte dos agentes do estado e as torturas realizadas por esses, as forças armadas receberam poder ilimitado para combater a resistência ao regime civil-militar.
Sete meses depois, em julho de 1969, era colocada em prática a Diretriz para a Política de Segurança Interna, que deu origem a Operação Bandeirante (OBAN), em São Paulo. A partir daí foi uma crescente repressiva, com várias operações estaduais espalhadas pelo país: Operação Marumbi, no Paraná; Operação Jacarta, no Rio de Janeiro; Operação Barriga Verde, em Santa Catarina... Todas com o intuito de atacar as bases políticas do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Segundo Garcia (2011, p. 25), "era evidente que a temporada de caça estava aberta". Ainda assim, os militantes supunham que poucos seriam presos e que não haveriam torturas, já que a maior parte dos comunistas vinham atuando na legalidade, por meio, principalmente, do MDB e porque muitos eram conhecidos publicamente, como o professor Marcos Cardoso Filho, da UFSC e a irmã dele, Rosemarie Cardoso Bittencourt, presa em Joinville.
O que ocorreu, porém, foi exatamente o oposto. Os presos eram trazidos para o 63º Batalhão de Infantaria, em Florianópolis, onde eram, imediatamente, torturados física e psicologicamente, e dali encaminhados para o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em Curitiba, onde passavam por continuas sessões de tortura. Depois disso eram trazidos novamente para Santa Catarina, para a sede da Polícia Federal, onde os militares, outra vez, os torturavam para poderem "encerrar" os depoimentos. Por fim, eram levados para o 4º Batalhão da Polícia Militar, outros para a Penitenciária Estadual, algumas mulheres foram para o Hospital Celso Ramos e, mais tarde, foram para a antiga Colônia Penal Agrícola de Canasvieiras.
Contudo, no final de 1977, quase todos tiveram as prisões preventivas relaxadas, e muitos foram obrigados a voltar para as celas depois do julgamento realizado em fevereiro de 1978. Somente com a anistia política de 1979, os envolvidos na Operação Barriga Verde puderam retornar às suas atividades profissionais e políticas normais, apesar de quase todos terem permanecido com as marcas do período. (GARCIA, 2011, p. 28)
Aos poucos a memória desse período vai sendo resgatada, e com ela os horrores da ditadura são, cada vez mais, escancarados. Não podemos permitir que a ilusão criada pela história oficial, de que os militares ajudaram a desenvolver o país, se sobreponha ao que, de fato, ocorreu. As marcas das torturas jamais se apagarão, e, assim como a Operação Barriga Verde, serão uma cicatriz na história catarinense.
Cumprimos mais uma vez o triste dever de comunicar a esta casa de que, além do advogado e do jovem estudante [?] terem sido sequestrados, recebemos a notícia agora que mais dois cidadãos da nossa comunidade foram presos ou sequestrados e mais um encontra-se desaparecido. [?] Recebemos a informação de que o estudante de economia Cirineu Martins Cardoso foi preso e acha-se em local ignorado; que o engenheiro Marcos Cardoso Filho, professor do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina, também foi preso e levado para local ignorado. Informamos também que o professor Valci Lacerda, suplente de vereador do MDB da Capital, encontra-se desaparecido. (CANTO, apud MARTINS, 2006, p. 23)
Desde meados dos anos 1960, os discursos dos vereadores Ulisses Tavares Lopes, que foi cassado pelo AI-5 e, posteriormente, de seu irmão, Aderbal Tavares Lopes, eram requisitados pelo 62º Batalhão de Infantaria, estacionado em Joinville, e, de lá, para Florianópolis e Brasília para serem incluídos na ficha policial de ambos.
MARTINS, Celso. Os quatro cantos do Sol: Operação Barriga Verde. Florianópolis/SC: Editora da UFSC / Fundação Boiteux, 2006. 122p.
GARCIA, Murilo dos Santos. Santa Catarina no palco das torturas - a Operação Barriga Verde. Santa Catarina em História, Florianópolis, v.5, n.2, 2011, p. 20-30.
GUEDES, Sandra P. L. De C.; NETO, Wilson de O.; OLSKA, Marilia G.. O exército e a cidade. Joinville: Editora da Univille, 2008.
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